segunda-feira, 27 de abril de 2009

A vegetação e a flora da região de Cabo Frio


Dorothy Sue Dunn de Araujo 
Professor Adjunto
Instituto de Biologia - UFRJ
e-mail: dotaraujo@globo.com

A região de Cabo Frio é muito especial no contexto do sudeste brasileiro, tanto em termos de clima quanto de vegetação e flora, razão pela qual foi escolhida pelo WWF/IUCN como um dos 12 Centros de Diversidade Vegetal do Brasil (Araujo, 1997). É a região do litoral fluminense onde chove menos anualmente (ca. 900mm), em parte, devido ao fenômeno da ressurgência.

Existe uma grande riqueza de habitats em Cabo Frio, desde extensas restingas e altas dunas até grandes lagunas e depósitos aluviais, maciços costeiros das penínsulas de Armação de Búzios e Cabo Frio e serras mais acidentadas como a de Sapiatiba. A extensa planície marinha de Massambaba separa a laguna de Araruama do mar, apresentando um sistema duplo de cordões arenosos, sobreposto por um campo de dunas, de orientação nordeste-sudoeste e não raramente ultrapassando 20m de altura. As planícies aluviais mais expressivas da região estão localizadas nas bacias dos rios Una e São João. Próximo à Serra das Emerenças, ocorrem depósitos arenosos de origem colúvio-aluvial. 

A cobertura vegetal da região de Cabo Frio reflete esta grande diversidade geomorfológico, além da história paleoevolutiva do sudeste brasileiro e o clima atual. É remanescente de uma vegetação existente durante os períodos glaciais do pleistoceno, mais secos e mais frios (Ab'Saber 1974).

O Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio engloba principalmente formações de restinga, da mata atlântica e do tipo arbóreo-baixo que recobre os maciços litorâneos compreendidos entre Arraial do Cabo e Armação de Búzios, bem como mangues e ambientes inundáveis (brejos e margens de lagoas). Possui uma rica flora com interessantes ligações fitogeográficas e diversas espécies endêmicas.

Os maciços litorâneos da região estão cobertos por uma mata baixa (3 m de altura em média) nas vertentes mais expostas à salsugem e aos ventos marinhos, composta de árvores densas de troncos finos. Em locais mais protegidos do vento, em grotões úmidos ou nas serras mais afastadas do mar (e.g., Serra de Sapiatiba), a vegetação assume um porte mais robusto, semelhante à mata atlântica baixo-montana (Rizzini, 1979). 

Uma espécie marcante destes morros litorâneos é o cacto endêmico, Pilosocereus ulei, encontrada somente na região de Cabo Frio e que simboliza o carater xerófilo da vegetação. Outras espécies exibem uma distribuição disjunta entre Cabo Frio e a caatinga nordestina, sugerindo antigas ligações entre estas duas regiões durante o período mais seco do Pleistoceno. Estas são as leguminosas Bauhinia albicans e Machaerium leucopterum (Lima, 2000) e a bela trepadeira de flores amarelas, Skytanthus hancorniaefolius (Apocynaceae).

Na planície colúvio-aluvial, a formação florestal é mais exuberante do que a vegetação xerófila dos morros. As árvores atingem, em média 10m de altura, com indivíduos emergentes de até 17m de altura. Porem, esta região sofre de um período seco nos meses de junho a agosto, quando boa parte das árvores perdem suas folhas. O pau brasil, Caesalpinia echinata, a espécie mais famosa da região, é componente destas matas, como são também outras espécies arbóreas que ocorrem nas formações florestais estacionais do semi-árido brasileiro (e.g., Parapitadenia pterosperma, Lonchocarpus virgilioides - Lima 2000). No subbosque estas matas, a rubiácea endemica a região, Faramea brachyloba. 

As formações vegetais das restingas e dunas da região variam de herbáceas e rasteiras na beira da praia até florestais nos cordões arenosos mais antigos, incluindo a tipica formação arbustiva aberta das dunas de Massambaba, Dama Branca e Peró. As duas remanescentes de mata de restinga (não inundada ou seca) mais bem preservadas na região são encontradas em Jacarepiá, na extremidade oeste da restinga de Massambaba, e na Estação de Rádio da Marinha, próximo ao rio Una. A primeira, alem de ser habitat do mico-leão dourado, abriga diversas espécies da flora endêmcias as restingas fluminenses (e.g., Algernonia obovata, Calathea dorothyae, Neoregelia eltoniana, Serjania fluminensis).

Nas dunas, no meio das moitas de vegetação de variados tamanhos, são encontradas também espécies raras e de interesse fitogeográfico. É o caso de Lithraea brasiliensis, espécie da família das anacardiáceas que é muito comum nas restingas de Rio Grande do Sul, mas só é encontrada nas terras fluminenses em Cabo Frio. Nos baixios mais úmidos entre as dunas, onde se forma matas baixas criando um ambiente sombreado, são encontradas populações da vistosa bromélia endemica, Vriesea sucrei, e outro pequeno arbusto endemico da família das quaresmeiras (Mouriri arenicola). Outras espécies da flora de Cabo Frio são mais tolerantes, sendo encontradas tanto nas restingas quanto nas encostas dos morros litorâneos (e.g., Cryptanthus acaulis, Capparidastrum brasilianum, Swartzia glazioviana, Erythroxylum glazioui, Inga maritima, Ouratea luschnathiana, Passiflora farneyi). 

O levantamento da flora vascular dos maciços litorâneos e planícies arenosas da região de Cabo Frio ainda está na sua fase preliminar. Mesmo assim, já foram registradas mais de 600 espécies nas restingas (Araujo 2000) e ca. de 300 nas encostas dos morros e outros tipos de habitat (Araujo et al. 1998). Estes valores certamente irão aumentar substancialmente com os estudos que vem sendo realizados na região por parte da UFRJ e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Resta saber se vamos ter a oportunidade de conhecer a totalidade da riqueza florística deste Centro de Diversidade Vegetal antes que as atividades do homem acabem extinguindo espécies que nem sequer foram conhecidas e que possam exercer papel fundamental nos ecossistemas.
Referências

Ab'Saber, A.N. 1974. O domínio morfoclimático semi-árido das caatingas brasileiras. Geomorfologia 43: 1-39.
Araujo, D.S.D. 1997. Cabo Frio Region. In: Davis et al. (eds.) Centres of Plant Diversity. WWF/IUCN, Oxford, p. 373-375.
Araujo, D.S.D., H.C.Lima, P.R.C.Farag, A.Q.Lobão, C.F.C.Sá & B.C.Kurtz. 1998 O Centro de Diversidade Vegetal de Cabo Frio: levantamento preliminary da flora. In: Simpósio de Ecossistemas Brasilieras, 4, Águas de Lindoia, SP. Anais, v.3.p.147-157.
Araujo, D.S.D. 2000. Análise florística e fitogeográfica das restingas do Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, PPGE-UFRJ.
Lima, H.C. 2000 Leguminosas arbóreas da mata atlântica. Tese de Doutorado. PPGE-UFRJ.
Rizzini, C.T. 1979. Tratado de fitogeografia do Brasil. São Paulo, Hucitec, v.2. 374 p.
 

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